A questão da "liberdade de ir e vir" é muito criticada em relação a Cuba pelas midias hegemônicas neoliberais. Consequentemente, e de acordo com os objetivos destas, toda uma manada de pessoas saem pelas ruas repetindo acriticamente chavões, apoiados nos chamados direitos humanos. Como era de se esperar, o tema está mais em pauta do que nunca no decurso da minha vida política. Nos últimos meses constata-se duas séries de vídeo-propaganda; uma da emissora Globo, outra da Band. Recuso-me a chamar de reportagem porque o que é mostrado ali não é um relato científico sobre a situação do país, não condiz com o ideário jornalístico de imparcialidade e portanto nada tem a ver com os reais problemas e feitos da revolução cubana. Além disso, e estranhamente de forma coincidente, nesse época a blogueira mercenária Yoani Sánchez tentou vir ao Brasil e teve seu visto negado. Por isso tudo, junto a comentários avulsos contra Cuba (como as afirmações da Arnaldo Jabor, consideradas por ele mesmo a verdade absoluta e por isso carecendo de argumentação), tornam a ilha, na opinião do brasileiro, um exemplo de desrespeito aos tais direitos humanos.
O problema sério que percebo é a péssima qualidade analítica das pessoas, a qual é agravada (e utilizada pela imprensa neoliberal) por um senso de moral cristão. Apoiada numa ideologia cristã sobre bem e mau, certo e errado, e com base em fatos retaliados que essa população tem acesso, chega-se a tal conclusão errônea sobre Cuba. A falta de prática em raciocinar e buscar explicações acarreta numa absorção acrítica de opiniões alheias.
Os dados que vemos na midia, junto com o seu julgamento, são os seguintes: Cuba é um país miserável, que desde 1959 é governada pelo
ditador Fidel Castro, que recentemente
passou o poder para seu irmão, Raul Castro. Prova da ditadura é a existência de somente um partido, o Partido Comunista Cubano (PCC). Durante todo esse tempo, o governo ditatorial vem
oprimindo a população, que quer
fugir do país; haja vista algumas pessoas que conseguem e vivem hoje em dia muito bem de vida em Miami, e algumas que infelizmente ainda estão sobre os ditames dos irmãos Castro, como é o caso da oprimida jornalista Yoani Sánchez (
http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/cuba-nega-permissao-para-yoani-sanchez-vir-ao-brasil). Além da falta de liberdade, há também falta de qualidade de vida e segurança; haja vista um depoimento de uma cubana que diz ter que dar café a um dentista para receber anestesia e ter que embalar sua mala para não ser roubada ao chegar no aeroporto de Cuba (
http://www.youtube.com/watch?v=K0P83mln7ls).
Comentando rapidamente as questões internas, na verdade a denominação de Cuba como sendo uma ditadura não tem relação com a realidade, uma vez que de fato Fidel Castro foi
eleito por todos esses anos e é querido pela população, e ele não passou o poder para o irmão, e sim Raul foi
eleito quando Fidel encerrou a carreira política por conta da idade. Provavelmente falarei mais sobre o sistema eleitoral cubano em outro post, mas quem se interessar veja como funciona em
http://www.youtube.com/watch?v=ZSfmocCKQVw. O PCC não sugere nenhum candidato, apenas organiza as eleições de acordo com os princípios da revolução. Uma eleição onde cada candidato é de um partido é típico de um sistema burguês, onda há classes e interesses distintos. No sistema socialista, a ideia é eliminação de classes, eliminação de diferenças econômicas nas decisões políticas, e portanto unificação da origem dos candidatos, que devem vir do povo e trabalhar pelo povo. Nesse ponto, Cuba é sim uma ditadura, pois a classe que está no poder representa os trabalhadores. Por outro lado, a partir desse entendimento de ditadura segundo Marx (classe dominante econômica-ideológica-militarmente), vivemos numa ditadura burguesa. Acontece que os neoliberais pintam o seu sistema como modelo ideal de democracia, e todos os outros sucumbem na negação desta.
Todo estado quer se manter no poder. O sistema eleitoral cubano visa a continuação da revolução socialista na ilha, enquanto nega características neoliberais. O oposto se dá nas ditaduras burguesas. Os governos liberais se denominam democrático, e dão uma aparente sensação de democracia. A força material do estado, porém, sempre é utilizada quando a situação sai do controle da sociedade civil, impondo assim, violentamente, a lei burguesa. Para notar isso basta analisar a história da América Latina:
Nesse contexto, ao longo das décadas de 1960 e 1970, os diversos
movimentos de transformação que surgiram em nações americanas foram
atacados pelo interesse das elites nacionais. Para tanto, buscavam o
respaldo norte-americano para que pudessem dar fim aos movimentos
revolucionários que ameaçavam os interesses da burguesia industrial
responsável por liderar essas ações golpistas. Com isso, a ingerência
política dos EUA se tornou agente fundamental nesse terrível capítulo da
história americana.
A perseguição política, a tortura e a censura às liberdades individuais
foram integralmente incorporadas a esses governos autoritários que se
estabeleceram pelo uso da força. Dessa forma, os clamores por justiça
social que ganhavam espaço no continente foram brutalmente abafados
nessa nova conjuntura. Ainda hoje, as desigualdades sociais, o atraso
econômico e a corrupção política integram a realidade de muitos desses
países que sofreram com a ditadura.
fonte: http://www.brasilescola.com/historiag/militar.htm
Então a crença de um estado democrático, que dá liberdades individuais a todos, a crença de um atual "estado do bem", é idealista. Todo estado atual é governado por uma classe, que está no poder. Esse estado sofre pressões externas e internas para mudança, existem forças contraditórias em seu seio, enquanto ele se mantêm vivo graças a sua hegemonia nos aparelhos da sociedade civil (midia, igreja, escola, etc) e, quando necessário, ele utiliza sua força militar. Achar que um determinado estado está isento dessas forças internas e externas, achar que um estado não prive a liberdade de alguns cidadãos para continuar no poder, é idealismo.
Sobre a segurança nos aeroportos, só posso dizer que isso é uma piada. Ao chegar e sair de Cuba, o fiz no horário da madrugada. Absolutamente ninguém ameaçou roubar minha mala, nem de ninguém que estava ao meu redor. Aliás, vi poucas malas enroladas com aquele plástico. Diga-se de passagem, tanto no Brasil, Cuba e México (foram por onde eu passei, o México foi trânsito), existia esse tipo de plástico contra roubos, e a quantidade deles em Cuba era menor do que nos outros países (imagino que seja porque colocar aquilo é caro; eu mesmo não quis pagar o preço). A questão da anestesia também deve ser outra brincadeira. Todos os cubanos que conversei na rua, apesar de suas críticas a algumas característica do governo, ressaltaram que, dentre outras coisas, o sistema de saúde era de ótima qualidade. Não ouvi nenhuma crítica a esse respeito, e para tirar a dúvida somente é necessário analisar índices de saúde na ilha.
(continua...)